Sinto-me
como se tivesse recebido uma sentença de morte e de vida ao mesmo tempo. Morte
para tudo o que foi e uma nova vida chegando. Não estou nem completamente morta
ainda, nem realmente renasci.
Não
posso dizer que tenho muitas ilusões. Não foi fácil até aqui e certamente não
ficará mais fácil agora. Isso é bom, na medida que viver é uma boa coisa, é a
grande peregrinação, e amar é maravilhoso. Com certeza, a maternidade
transborda vida e amor. Ainda assim, não posso deixar de sentir a morte que
isso significa. Tenho que começar a soltar tudo a partir de agora. O meu corpo,
que nunca foi totalmente meu, realiza a sua dança ancestral. O máximo que posso
fazer é ser testemunha de sua metamorfose.
Anteontem,
quando voltei para casa, Florencio estava sentado no sofá. Sentei ao lado dele
e disse:
_Tenho
um presente para você. Você tem três chances para adivinhar o que é.
Ele
não adivinhou. Acho que ninguém realmente imagina que isso seja possível, nem
eu mesma imaginava. Talvez eu tenha dito tantas vezes em minha vida que não
queria ter filhos que acabei convencendo todo mundo e até a mim mesma que isso
nunca aconteceria. Quando ele errou pela terceira vez, entreguei a ele o teste
de gravidez. Por um momento, ele pareceu confuso:
_ O
que é isso?
Ficou
olhando para para os dois fiozinhos rosas com interesse compenetrado por alguns
longos segundos. Depois voltou a olhar para mim:
_Não!
É isso mesmo?
Balancei
a cabeça afirmativamente. Nós nos abraçamos. Cabiam mundos naquele abraço. Percebi
que ele estava sentindo o mesmo que eu: alegria, medo, esperanca, entusiasmo,
curiosidade, e, provavelmente, muitas outras coisas indescritíveis. Logo, ele
decidiu fazer uma foto daquele momento, buscando transformar tudo em arte.
Neste sentido, pensamos da mesma forma. Eu escrevo a vida à medida que ela
acontece. É uma forma de digerir e transformar a realidade em algo de nutritivo
para mim e para os outros. Na verdade, a vida é uma arte insuperável e nós
somos apenas servos tentando expressar sua infinita beleza. Sei que nós dois
sentimos isso.
Dali,
levei o teste para minha mãe, minha irmã e meus sobrinhos. Fiz a mesma
brincadeira com todos eles, ninguém adivinhou o que eu tinha a oferecer. Todos
ficaram surpresos e extáticos, como se algo de inacreditável estivesse
ocorrendo e o universo estivesse sendo reinventado. Meu sobrinho de 12 anos olhou
de forma incrédula para mim e disse:
_Nossa,
não consigo imaginar você como mãe.
_Nem
eu. – respondi, resignada.
Ainda
bem que em minha vida fiz muitas coisas que iam além da minha própria
imaginação.
Por
acaso, justamente ontem, pude enfim realizar o meu sonho de ver baleias. Fizemos
um passeio em família. O mar estava bem agitado. O barco subia com as ondas e
caía das alturas apenas para subir de novo. Quase todo mundo passou mal e
vomitou. Eu estava muito bem, sentindo-me estranhamente serena na turbulência.
Fiquei em pé, bem na frente, absorvendo a força incomensurável do mar e do
vento.
Aprendi
que todas as baleias que moram em uma área costumam cantar a mesma canção. Às
vezes, essas canções se espalham para outras populações de baleias. Além disso,
com o tempo, esta canção vai mudando e evoluindo. Isso me lembrou as “linhas encantadas”
dos aborígenes australianos, canções que eles cantavam para não se perder no
deserto.
Tive
que pensar na trajetória da humanidade, na nossa história sangrenta, que
aprendemos nas escolas, e no grande
terror e sofrimento que ainda existe e está acontecendo neste exato momento. A
música da violência e da ignorância, que ainda soa alto demais.
Mesmo
assim, ao presenciar a suavidade com a qual as baleias, esses seres ancestrais,
se movem pelo oceano, senti como se ainda houvesse esperança. Uma baleia e seu
filhote nadaram longamente ao lado do barco. Dentro de meu ventre, cantava também
uma promessa oceânica de vida e aventuras inimagináveis. Apesar de tudo, ainda
não morreram as canções das águas profundas, aquelas que cantam dentro de todos
nós. A música do coração ainda pulsa e ela está mudando a cada instante.
Não
precisamos mais ficar perdidos no deserto.
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