É de
manhã, decido ir ao centro para pegar dinheiro. Aproveito para entrar em uma
farmácia e comprar um teste de gravidez.
A
vez mais recente que fiz isso foi alguns meses atrás. Minha menstruação atrasou
por alguns dias. Comprei o teste, fui a um banheiro público e não falei a
ninguém sobre isso. O resultado deu negativo, o que me fez sentir uma mescla de
alívio com desapontamento. Isso me surpreendeu. Não esperava ficar desapontada.
Será que uma parte de mim realmente quer engravidar? Sei que tirei o DIU em
novembro e me abri a todas as possibilidades. Já passaram mais de seis meses.
Estou fazendo um tratamento com acupuntura, mas é como se eu não acreditasse
realmente que eu possa engravidar. Afinal, há tantas razões para não ir nesta
direção! Por exemplo: não tenho nem estabilidade financeira nem emocional.
É
verdade que meu relacionamento com Florencio ainda tem momentos maravilhosos,
mesmo depois de doze anos juntos. Nosso amor é romântico, intenso e profundo.
Ele sobreviveu a todas as crises e me fez, pela primeira vez, me abrir à
possibilidade de ter um filho. Até hoje, somos amigos, namorados e amantes,
temos longas conversas que vão até altas horas da noite. É uma interação tão
bela que superou todas as monstruosas dificuldades do caminho. Será ter filhos
apenas mais uma dessas dificuldades, ao mesmo tempo que, também, uma dádiva sem
igual? Muita gente diz isso e não duvido que o seja mesmo. Além disso, não
seria a maternidade uma possibilidade de agradecer à vida tudo que ela fez por
mim, fazendo isso por outra pessoa?
Por
outro lado, nas horas difíceis, muitas vezes não sinto como se tivesse suporte
emocional. Sinto-me sozinha, como se pudesse apenas contar comigo mesma. Talvez
essa instabilidade mude com um filho, mas não é encorajador que tenha sido
assim até agora. Com toda a certeza, sei que a maternidade não é apenas uma
experiência bacana. É tanto um nascimento de uma nova vida quanto uma morte de
tudo aquilo que foi antes. Confesso que tenho um medo absurdo disso, até mesmo
porque não consigo achar amor em mim pela minha própria infância. Durante
muitos anos, não gostava de me lembrar da criança que eu havia sido. As
lembranças da infância sempre tiveram algo de doloroso para mim. Eu não
entendia o mundo adulto, as brigas entre meus pais, as guerras na televisão, a
devastação das florestas, entre muitas outras coisas que ninguém sabia me
explicar, e me escondia atrás de meus livros e sonhos. Além disso, eu usava óculos,
aparelho nos dentes e era gordinha, o que era razão suficiente para ser vítima
de bullying na escola. Eu me lembro de ter sido uma criança chata, séria e
triste, que não gostava muito da vida nem de si mesma.
Enfim,
quando o primeiro teste de gravidez deu negativo, resolvi não pensar muito mais
sobre o assunto nem comentar a respeito com ninguém. Desta vez, minha
menstruação está uma semana atrasada e tenho me sentido um pouco estranha. É
como se eu estivesse à flor da pele, mas não da maneira que normalmente fico
antes de menstruar. É ainda mais vasto e profundo. Como se o eixo do mundo
estivesse sendo deslocado.
Vou
até um café, peço um cappuccino e um pão de queijo. Depois de comer, levanto e me
encaminho ao banheiro, no fundo do recinto. Chego ali e realizo a conhecida
coreografia de urinar sobre o bastãozinho. Depois disso, calculo cinco minutos
no relógio e começo a esperar. Provavelmente, não estou grávida, mas é bom me
certificar de que não estou mesmo. Penso em algumas coisas que quero fazer
hoje, olho distraidamente para o espelho, arrumo uns fios de cabelo que sempre
estão fora do lugar, retoco o batom. Observo o espaço à minha volta. É um
banheiro bastante limpo, o que para mim é sempre um bom sinal em um
estabelecimento público. O relógio diz que passaram 4 minutos. Vejo um fio
vermelho mais denso e outro mais apagado. Meu coração começa a bater rápido. Vou
esperar mais dois minutos. Algo deve estar errado. Encosto meu peso contra a
porta. Uma luz clara entra pela janela lembrando que lá fora o sol está
brilhando com toda força. Fecho os olhos e respiro fundo algumas vezes. Sei que
na vida tudo sempre pode mudar em um segundo. Posso atravessar a rua e ser
atropelada. Uma chuva de bênçãos pode cair do céu.
Abro
os olhos de novo e seis minutos passaram. O segundo fio vermelho está mais
forte ainda... Estou grávida. Estou grávida? Estou grávida!!!
Olho
para o espelho e seguro o rosto entre as mãos. Algumas lágrimas escorrem.
Coloco o resultado na bolsa, olho uma última vez com incredulidade para este
rosto que está migrando rumo a uma metamorfose crescente e absoluta sem eu nem
mesmo perceber, enxugo minha face e saio para o mundo. Caminho um pouquinho
rumo à Igreja que fica ali perto. Entro e me ajoelho diante da Nossa Senhora
D`Ajuda. Hoje, presto muita atenção ao fato de que ela está segurando um bebê
nos braços. O filho do Amor. Deixo o coração galopar solto pelos campos das
emoções incandescentes. A vida sempre consegue me surpreender.
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