domingo, 6 de janeiro de 2013

Antonella Yllana em O Desejo de Voar

Antonella, no momento em que li em seu texto: "Quando a insatisfação começa a gritar com muita força, é preciso olhar para dentro, ver o que podemos fazer para mudar a nossa situação, por dentro e por fora.", me lembrei de uma citação que você fez da Clarice Lispector, no seu texto "Rito de passagem", que era: "...não queremos necessariamente mudar as coisas. O que queremos mesmo é desabrochar." Para fazer mudar, por dentro e por fora, para desabrochar, fazer abrir, se você pudesse elencar passos, quais seriam? E ainda, como olhar para dentro, por onde começar? (Alexandre, São Paulo)
Seria muito fácil dar passos para o Alexandre. Qualquer bom manual de autoajuda ou desenvolvimento pessoal está cheio deles. Mas não sinto que é disso que ele precisa.
Hoje o tarô mandou a seguinte mensagem: 4 de ouros, 7 de paus e 5 de espadas. No casulo há uma situação estável, a sensação de poder e força, mas também um confinamento, como se tudo fosse regrado e previsível demais. De repente, a lagarta cresce, a crisálida se abre, e a lagarta percebe que tem asas. No entanto, por uma fração de segundos, terrivelmente longa, ela não sabe o que fazer com suas novas asas. Como se jogar no abismo, como será que uma lagarta pode voar? É preciso uma coragem que ela não sabe que tem. Abrir as asas e voar é o desejo mais forte e doloroso de sua vida. Há um imenso medo de cair, uma vontade de voltar para o conforto do casulo. E se eu voar, o que acontecerá com as outras lagartas, pelas quais sou responsável? Aceitar que algo mudou, transformar a dor do medo em força para voar rumo ao desconhecido, desafiar o conformismo, ser selvagem, ser como uma pintura ou uma música em constante criação, ser uma inspiração para aqueles que ainda rastejam, eis o destino da borboleta.
Nunca me esqueço de quando decidi passar uma noite sozinha em uma caverna, durante minha primeira peregrinação a Santiago de Compostela, em 1999. Achava que ia tirar de letra, mas quando me vi sozinha ali, todos os medos de uma vida inteira subiram à tona. Passei horas me recriminando, reclamando, falando sozinha, gritando e chorando. Quando enfim adormeci de exaustão, sonhei que estava em uma capela e era acordada por um ruído. Com medo, abri a porta e me deparei com uma forte luz e muitas crianças. Um menino se aproximou e perguntou: “você mora aqui? Esta é a sua casa?” Eu respondi:”sim”. De repente, todas as crianças começaram a cantar:”Graças, ó Senhor, graças, ó Senhor.” Acordei no meio da noite. Naquele momento, o mundo não era mais um lugar perigoso. De repente, viver era uma grande aventura, e eu não sentia mais medo. De manhã cedinho, fiz uma fogueira, queimei nela um papel no qual escrevi os meus medos, levantei e caminhei em direção aos meus sonhos. Eu ainda nem sabia muito bem quais eram eles, não fazia a mínima idéia do que ia acontecer, não tinha segurança alguma, mas a partir daquele dia tomar consciência do espaço sagrado, por dentro e por fora, tornou-se o alimento de cada novo passo. 


Antonella Yllana é autora de seis livros, sendo que um deles, “A Ciência da Paixão”, teve vários trechos citados no livro 11 minutos, de Paulo Coelho.


Facebook: Antonella Yllana

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