Antonella, no momento em que li em seu texto: "Quando a
insatisfação começa a gritar com muita força, é preciso olhar para dentro, ver
o que podemos fazer para mudar a nossa situação, por dentro e por fora.",
me lembrei de uma citação que você fez da Clarice Lispector, no seu texto
"Rito de passagem", que era: "...não queremos necessariamente
mudar as coisas. O que queremos mesmo é desabrochar." Para fazer mudar,
por dentro e por fora, para desabrochar, fazer abrir, se você pudesse elencar
passos, quais seriam? E ainda, como olhar para dentro, por onde começar?
(Alexandre, São Paulo)
Seria muito
fácil dar passos para o Alexandre. Qualquer bom manual de autoajuda ou
desenvolvimento pessoal está cheio deles. Mas não sinto que é disso que ele
precisa.
Hoje o tarô
mandou a seguinte mensagem: 4 de ouros, 7 de paus e 5 de espadas. No casulo há
uma situação estável, a sensação de poder e força, mas também um confinamento,
como se tudo fosse regrado e previsível demais. De repente, a lagarta cresce, a
crisálida se abre, e a lagarta percebe que tem asas. No entanto, por uma fração
de segundos, terrivelmente longa, ela não sabe o que fazer com suas novas asas.
Como se jogar no abismo, como será que uma lagarta pode voar? É preciso uma coragem
que ela não sabe que tem. Abrir as asas e voar é o desejo mais forte e doloroso
de sua vida. Há um imenso medo de cair, uma vontade de voltar para o conforto
do casulo. E se eu voar, o que acontecerá com as outras lagartas, pelas quais
sou responsável? Aceitar que algo mudou, transformar a dor do medo em força
para voar rumo ao desconhecido, desafiar o conformismo, ser selvagem, ser como
uma pintura ou uma música em constante criação, ser uma inspiração para aqueles
que ainda rastejam, eis o destino da borboleta.
Nunca me
esqueço de quando decidi passar uma noite sozinha em uma caverna, durante minha
primeira peregrinação a Santiago de Compostela, em 1999. Achava que ia tirar de
letra, mas quando me vi sozinha ali, todos os medos de uma vida inteira subiram
à tona. Passei horas me recriminando, reclamando, falando sozinha, gritando e
chorando. Quando enfim adormeci de exaustão, sonhei que estava em uma capela e
era acordada por um ruído. Com medo, abri a porta e me deparei com uma forte
luz e muitas crianças. Um menino se aproximou e perguntou: “você mora aqui?
Esta é a sua casa?” Eu respondi:”sim”. De repente, todas as crianças começaram
a cantar:”Graças, ó Senhor, graças, ó Senhor.” Acordei no meio da noite.
Naquele momento, o mundo não era mais um lugar perigoso. De repente, viver era
uma grande aventura, e eu não sentia mais medo. De manhã cedinho, fiz uma
fogueira, queimei nela um papel no qual escrevi os meus medos, levantei e caminhei
em direção aos meus sonhos. Eu ainda nem sabia muito bem quais eram eles, não
fazia a mínima idéia do que ia acontecer, não tinha segurança alguma, mas a partir
daquele dia tomar consciência do espaço sagrado, por dentro e por fora,
tornou-se o alimento de cada novo passo.
Antonella Yllana é autora de seis livros, sendo que um deles, “A Ciência da Paixão”, teve vários trechos citados no livro 11 minutos, de Paulo Coelho.
Facebook: Antonella Yllana
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